Mensagem, de Fernando Pessoa, foi
publicado ainda em vida. Composto por 44 poemas, foi chamado pelo poeta de
"livro pequeno de poemas". Publicado em 1934 (apenas 1 ano antes da
morte do poeta), pela Parceria António Maria Pereira, o livro foi contemplado
no mesmo ano com o Prémio Antero de Quental, na categoria de ”poema ou poesia
solta”.
A obra trata do glorioso passado de Portugal de forma elogiosa
e tenta encontrar um sentido para a antiga grandeza e a decadência existente na
época em que o livro foi escrito. Glorifica, acima de tudo, o estilo camoniano
e o valor simbólico dos heróis do passado, como os Descobrimentos portugueses.
É apontando as virtudes portuguesas que Fernando Pessoa acredita que o país se
deva "regenerar", ou seja, tornar-se grande como foi no passado,
através da valorização cultural da nação. O poema mais famoso do livro é “Mar
Português”.
Tipo de poesia:
Poesia épico-irónica e lírica - épica porque se volta para
celebração heróica de mitos colectivos (os grandes eventos e os heróis da
história portuguesa), irónica porque essa celebração é feita sob o signo da
irrealidade e da loucura (o que é celebrado não é o Portugal real mas o
fantástico, produto da demência de seus grandes heróis), e lírica porque nos
poemas sempre se exprime um eu, que pode ser o poeta ou alguma de suas
personagens.
Estrutura da Mensagem:
Mensagem é um
livro estruturalmente muito cuidado, apontando as três fases por que a Pátria
terá de passar.
Esta tripartição simbólica «tem como base o facto de as profecias
se realizarem três vezes, ainda que de modo diferente e tempos diferentes.
Corresponde à evolução do Império Português que, tal como o ciclo da vida,
passa pelo nascimento, realização e morte. Todavia, esta morte não poderá ser
entendida como um fim definitivo, visto que a morte pressupõe uma ressurreição.
Esta ressurreição culmina com o aparecimento de um novo império, desta vez não
terreno, mas sim espiritual e cultural, a fim de atingir a paz universal
("E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe
no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos" –
Fernando Pessoa).
Primeira Parte – “Brasão” (os construtores do Império)
A 1ª parte corresponde ao nascimento, com referência aos
mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos
brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a
grandes feitos.
Segunda Parte – “Mar Português” (o sonho marítimo e a obra
das descobertas)
Na 2ª parte surge a realização e vida; refere personalidades
e acontecimentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido
e os elementos naturais. Mas porque «tudo vale a pena», a missão foi cumprida.
Terceira Parte – “O
Encoberto” (a imagem do Império moribundo, a fé de que a morte contenha em si o
gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimento do império espiritual,
moral e civilizacional na diáspora lusíada. A esperança do Quinto Império)
Na 3ª parte aparece a desintegração, havendo, por isso, um
presente de sofrimento e de mágoa, pois «falta cumprir-se Portugal». É preciso
acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e avisos.
O Mostrengo*
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu
ergueu-se a voar;
À roda da nau voou
trez vezes,
Voou trez vezes a
chiar, E disse,
'Quem é que ousou
entrar
Nas minhas cavernas
que não desvendo,
Meus tectos negros do
fim do mundo?'
E o homem do leme
disse, tremendo,
'El-Rei D. João
Segundo!'
'De quem são as velas
onde me roço?
De quem as quilhas
que vejo e ouço?'
Disse o mostrengo, e
rodou trez vezes,
Trez vezes rodou
imundo e grosso,
'Quem vem poder o que
só eu posso,
Que moro onde nunca
ninguém me visse
E escorro os medos do
mar sem fundo?'
E o homem do leme
tremeu, e disse,
'El-Rei D. João
Segundo!'
Trez vezes do leme as
mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as
repreendeu,
E disse no fim de
tremer trez vezes,
'Aqui ao leme sou
mais do que eu;
Sou um Povo que quer
o mar que é teu;
E mais que o
mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do
fim do mundo,
Manda a vontade, que
me ata ao leme,
De El-Rei D. João
Segundo!'
*mostrengo: variante
de monstrengo.
El-Rei Dom João
Segundo: rei de Portugal no período de 1481 a 1495. Seu reinado foi
caracterizado por duas ações fundamentais: internamente, consolidou a
centralização do poder; externamente, foi o responsável pelo plano de expansão
marítima que levaria Portugal ao Oriente. Nesse plano de expansão marítima, o
principal ponto era descobrir um caminho que levasse às Índias e a suas
especiarias. Várias expedições foram enviadas para o 'fim do mar', isto é o
extremo sul do Atlântico, em busca dos limites da África. Foi também no governo
de D. João II que o Tratado de Tordesilhas - que dividia a Terra em duas des:
uma para Castela (Espanha) e outra para Portugal 0- foi assinado em 1494.
Os custos da aventura marítima, em vidas e sofrimentos, são
tocantemente lembrados num poema de que dois versos (os primeiros da segunda
estrofe) se tornaram célebres e hoje soam quase como ditado da sabedoria
tradicional.
Mar português
Ó mar salgado, quanto
do teu sal
São lágrimas de
Portugal!
Por te cruzarmos,
quantas mães choraram.
Quantos filhos em vão
rezaram!
Quantas noivas
ficaram por casar
Para que fosse nosso,
ó mar!
Valeu a pena? Tudo
vale a pena
Se a alma não é
pequena.
Quem quer passar além
do Bojador
Tem de passar além da
dor.
Deus ao mar o perigo
e o abismo deu.
Mas nele é que
espelhou o céu.
Resumindo:
Mensagem é um livro estruturado em três partes: Brasão; Mar
Português e O Encoberto.
Ao todo, são 44
poemas mais ou menos curtos, que constituem uma epopéia fragmentária, sem
unidade narrativa.
Há fusão dos gêneros
épico e lírico: a celebração de mitos, lendas, feitos e vultos de heróis
lusitanos, próprios do gênero épico, realiza-se através de poemas em primeira
pessoa, de intensa subjetividade, como é próprio do gênero lírico.
Mensagem é um livro
simbólico. Nele, imagens herméticas, de fundo esotérico, mobilizam-se para
expressão do nacionalismo místico do autor.
Mensagem contém uma
visão messiânica sobre o destino de Portugal: o rei D. Sebastião
(sebastianismo) voltaria para tirar o país da decadência em que mergulhou desde
seu desaparecimento, Alcácer Quibir (1578), e reconduzi-lo à glória (o mito do
Quinto Império).
A intertextualidade
entre Mensagem e Os Lusíadas é frequente: Fernando Pessoa retoma episódios e
motivos da epopéia camoniana e o revista na forma de paródias sérias.
Quanto à linguagem, os poemas de Mensagem oscilam entre o
equilíbrio clássico e a sinuosidade barroca.