terça-feira, 13 de novembro de 2012

A "Mensagem" de Fernando pessoa


  Mensagem, de Fernando Pessoa, foi publicado ainda em vida. Composto por 44 poemas, foi chamado pelo poeta de "livro pequeno de poemas". Publicado em 1934 (apenas 1 ano antes da morte do poeta), pela Parceria António Maria Pereira, o livro foi contemplado no mesmo ano com o Prémio Antero de Quental, na categoria de ”poema ou poesia solta”.
A obra trata do glorioso passado de Portugal de forma elogiosa e tenta encontrar um sentido para a antiga grandeza e a decadência existente na época em que o livro foi escrito. Glorifica, acima de tudo, o estilo camoniano e o valor simbólico dos heróis do passado, como os Descobrimentos portugueses. É apontando as virtudes portuguesas que Fernando Pessoa acredita que o país se deva "regenerar", ou seja, tornar-se grande como foi no passado, através da valorização cultural da nação. O poema mais famoso do livro é “Mar Português”.
Tipo de poesia:
Poesia épico-irónica e lírica - épica porque se volta para celebração heróica de mitos colectivos (os grandes eventos e os heróis da história portuguesa), irónica porque essa celebração é feita sob o signo da irrealidade e da loucura (o que é celebrado não é o Portugal real mas o fantástico, produto da demência de seus grandes heróis), e lírica porque nos poemas sempre se exprime um eu, que pode ser o poeta ou alguma de suas personagens.
Estrutura da Mensagem:
Mensagem é um livro estruturalmente muito cuidado, apontando as três fases por que a Pátria terá de passar.
Esta tripartição simbólica «tem como base o facto de as profecias se realizarem três vezes, ainda que de modo diferente e tempos diferentes. Corresponde à evolução do Império Português que, tal como o ciclo da vida, passa pelo nascimento, realização e morte. Todavia, esta morte não poderá ser entendida como um fim definitivo, visto que a morte pressupõe uma ressurreição. Esta ressurreição culmina com o aparecimento de um novo império, desta vez não terreno, mas sim espiritual e cultural, a fim de atingir a paz universal ("E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos" – Fernando Pessoa).
Primeira Parte – “Brasão” (os construtores do Império)
A 1ª parte corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a grandes feitos.
Segunda Parte – “Mar Português” (o sonho marítimo e a obra das descobertas)
Na 2ª parte surge a realização e vida; refere personalidades e acontecimentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas porque «tudo vale a pena», a missão foi cumprida.
Terceira Parte –  “O Encoberto” (a imagem do Império moribundo, a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimento do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada. A esperança do Quinto Império)
Na 3ª parte aparece a desintegração, havendo, por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois «falta cumprir-se Portugal». É preciso acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e avisos.

O Mostrengo*

O mostrengo que está no fim do mar
 Na noite de breu ergueu-se a voar;
 À roda da nau voou trez vezes,
 Voou trez vezes a chiar, E disse,
 'Quem é que ousou entrar
 Nas minhas cavernas que não desvendo,
 Meus tectos negros do fim do mundo?'
 E o homem do leme disse, tremendo,
 'El-Rei D. João Segundo!'

 'De quem são as velas onde me roço?
 De quem as quilhas que vejo e ouço?'
 Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
 Trez vezes rodou imundo e grosso,
 'Quem vem poder o que só eu posso,
 Que moro onde nunca ninguém me visse
 E escorro os medos do mar sem fundo?'
 E o homem do leme tremeu, e disse,
 'El-Rei D. João Segundo!'

 Trez vezes do leme as mãos ergueu,
 Trez vezes ao leme as repreendeu,
 E disse no fim de tremer trez vezes,
 'Aqui ao leme sou mais do que eu;
 Sou um Povo que quer o mar que é teu;
 E mais que o mostrengo, que me a alma teme
 E roda nas trevas do fim do mundo,
 Manda a vontade, que me ata ao leme,
 De El-Rei D. João Segundo!'

 *mostrengo: variante de monstrengo.
 El-Rei Dom João Segundo: rei de Portugal no período de 1481 a 1495. Seu reinado foi caracterizado por duas ações fundamentais: internamente, consolidou a centralização do poder; externamente, foi o responsável pelo plano de expansão marítima que levaria Portugal ao Oriente. Nesse plano de expansão marítima, o principal ponto era descobrir um caminho que levasse às Índias e a suas especiarias. Várias expedições foram enviadas para o 'fim do mar', isto é o extremo sul do Atlântico, em busca dos limites da África. Foi também no governo de D. João II que o Tratado de Tordesilhas - que dividia a Terra em duas des: uma para Castela (Espanha) e outra para Portugal 0- foi assinado em 1494.
Os custos da aventura marítima, em vidas e sofrimentos, são tocantemente lembrados num poema de que dois versos (os primeiros da segunda estrofe) se tornaram célebres e hoje soam quase como ditado da sabedoria tradicional.



Mar português

 Ó mar salgado, quanto do teu sal
 São lágrimas de Portugal!
 Por te cruzarmos, quantas mães choraram.
 Quantos filhos em vão rezaram!
 Quantas noivas ficaram por casar
 Para que fosse nosso, ó mar!

 Valeu a pena? Tudo vale a pena
 Se a alma não é pequena.
 Quem quer passar além do Bojador
 Tem de passar além da dor.
 Deus ao mar o perigo e o abismo deu.
 Mas nele é que espelhou o céu.

 Resumindo:
Mensagem é um livro estruturado em três partes: Brasão; Mar Português e O Encoberto.
 Ao todo, são 44 poemas mais ou menos curtos, que constituem uma epopéia fragmentária, sem unidade narrativa.
 Há fusão dos gêneros épico e lírico: a celebração de mitos, lendas, feitos e vultos de heróis lusitanos, próprios do gênero épico, realiza-se através de poemas em primeira pessoa, de intensa subjetividade, como é próprio do gênero lírico.
 Mensagem é um livro simbólico. Nele, imagens herméticas, de fundo esotérico, mobilizam-se para expressão do nacionalismo místico do autor.
 Mensagem contém uma visão messiânica sobre o destino de Portugal: o rei D. Sebastião (sebastianismo) voltaria para tirar o país da decadência em que mergulhou desde seu desaparecimento, Alcácer Quibir (1578), e reconduzi-lo à glória (o mito do Quinto Império).
 A intertextualidade entre Mensagem e Os Lusíadas é frequente: Fernando Pessoa retoma episódios e motivos da epopéia camoniana e o revista na forma de paródias sérias.
Quanto à linguagem, os poemas de Mensagem oscilam entre o equilíbrio clássico e a sinuosidade barroca.