segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Tempo da ação

Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente politico do inicio do século XIX. Em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D.João VI e que se manifestava contraria á presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição á pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.
As indicações temporais fornecidas pelo texto permitem nos verificar que a intriga se desenrola de forma linear e progressiva, embora não sejam muito precisas as indicações sobre a duração da ação.
Historicamente, sabe-se que o general Gomes Freire foi preso a 25 de Maio de 1817 e executado a 18 de Outubro de 1817.

Elementos simbólicos em Felizmente Há Luar!


Saia verde - associa-se à felicidade, foi comprada numa terra de liberdade: Paris. No Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. Simboliza a "alegria no reencontro"; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança de que um dia se reponha a justiça. O verde é a cor predominante na natureza e dos campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.
Título - duas vezes mencionado inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo e por Matilde, na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.

Luz - surge como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade, fraternidade e liberdade), vencendo a escuridão da noite (opressão, falta de liberdade e de esclarecimento). Tem origem quer na fogueira quer no luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. A luz encontra-se associada à vida, à saúde e à felicidade; representa a esperança num momento trágico.

Noite - simboliza a escuridão, a morte, a tristeza, o mal, o castigo. É durante a noite e madrugada que se efectuam as prisões e as execuções prolongam-se pela noite.

Lua - de acordo com a forma de pensar de Matilde, o luar é a luz que permite que todos observem a injustiça perante o caso de Gomes Freire e, consequentemente, existirá uma possibilidade de mudança. A lua é o símbolo da dependência, periocidade, renovação.



Fogueira - é um elemento com duplo significado. Por um lado representa a destruição e por outro lado um tempo purificador e regenerador. Para D. Miguel Forjaz, servia como um ensinamento ao povo, pois a sua luz permitia que o povo observasse a execução de Gomes Freire. Para Matilde, a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar.


Moeda de 5 reis - símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus;

Tambores - representa a pressão, o medo, que existia nesse tempo quando chegava a policia.

Características das personagens:


GOMES FREIRE: protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança do povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É acusado de ser o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na justiça e luta pela liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança de liberdade
D. MIGUEL FORJAZ: primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista. prepotente; autoritário; servil (porque se rebaixa aos outros); 
PRINCIPAL SOUSA: defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo religioso; desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses
BERESFORD: cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua situação; oportunista; autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente com a sua carreira e com dinheiro; ainda consegue ser minimamente franco e honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente quer, ao contrário dos dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico
VICENTE: sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado; traidor; desleal; acaba por ser um delator que age dessa maneira porque está revoltado com a sua condição social (só desse modo pode ascender socialmente).
MANUEL: denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente dos populares; é corajoso. 
MATILDE DE MELO: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre. Representa uma denúncia da hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em volta do poder (faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto marcados pelo amor, como pelo ódio.
SOUSA FALCÃO: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias que Gomes Freire, mas não teve a coragem do general. Representa a amizade e a fidelidade; é o único amigo de Gomes Freire de Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos que são capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.
Frei Diogo: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do Principal Sousa. 
Delatores: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.
MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA  perseguem, prendem e mandam executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a execução à noite, constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a seguir na luta pela liberdade.


Estrutura externa e interna da peça


A função essencial do texto dramático é servir de base à representação. As peças de teatro compõem-se de um texto principal, constituído pelas falas ou réplicas das personagens e de um texto secundário, didascálico, que fornece informações sobre o cenário, os adereços, a iluminação, o tom do discurso, os gestos e atitudes dos atores. A lista das personagens intervenientes na peça, a distribuição do texto em atos e cenas fazem também parte da didascália.
Nota: a mudança de ato constitui um corte no texto e, em geral, um momento de pausa no espetáculo, sugerindo a mudança de lugar ou a passagem do tempo. A divisão em cenas é marcada pela entrada ou saída de personagens.

A didascália leva-nos à compreensão da estrutura externa, isto é da organização da obra; o texto principal permite-nos analisar a estrutura interna, identificando os diferentes momentos da ação em cada ato e a ligação entre os atos.
Ao nível da estrutura externa, Felizmente há luar ! divide-se em dois atos (que representam dois dias),  sendo que no interior de cada ato não existe divisão em cenas.

Seguidamente apresentamos uma síntese dos principais momentos que ocorrem no primeiro ato:
- A peça abre com um monólogo de Manuel ,” o mais consciente dos populares “, sobre a situação politica do país: “Que posso eu fazer? Sim: que posso eu fazer?”; seguido de um diálogo sobre o mesmo tema em que participam outros elementos do povo.
- O povo, vítima de miséria e da opressão, sonha com a salvação, motivado pela esperança que depositam sobre o General Gomes Freire – é a mitificação do herói.
- Vicente, homem do povo, considera Gomes Freire um “estrangeirado”; mais tarde, será levado a D. Miguel de Forjaz, onde Vicente trai a sua classe social, com a promessa de D. Miguel torná-lo chefe de polícia.
- D. Miguel, preocupado com uma revolução, manda Vicente vigiar a casa de Gomes Freire.
- Beresford anuncia que Lisboa se prepara para uma revolta contra o poder (D. Miguel e Principal Sousa), quem o informa é o Capitão Andrade Corvo e Morais Sarmento.
- Os governadores do reino tomam a decisão de destruir o líder dos conspiradores.
- Vicente informa os governadores do número de pessoas que entraram em casa de Gomes Freire; Andrade Corvo, revela aos governadores quem é o chefe dos conspiradores é o General Gomes Freire.
- D. Miguel ordena a prisão dos conspiradores, mas o se único objetivo é a eliminação de Gomes Freire.

Segundo ato:
- O segundo ato começa precisamente como o primeiro. As palavras de Manuel repetem o sentimento de impotência já expresso no início do primeiro ato: “Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?” mas, agora, de uma maneira mais profunda, devido à prisão do General Gomes Freire, que encarnava a esperança de libertação do povo. Tal como no primeiro ato, participam neste momento outros elementos do povo que comentam a detenção do general.
- A polícia proíbe os aglomerados dos populares para evitarem uma revolução.
- Matilde procura Beresford, a fim de interceder pelo marido; objetivo que não alcança, pois, através do diálogo com Matilde, o governador humilha Gomes Freire.
- O padre informa que será feita uma ação de graças em todas as paróquias e igrejas dos conventos por todos aqueles que se tinham insurgido contra o governo.
- Matilde apercebe-se da indiferença dos populares perante a situação em que se encontra o seu marido (na realidade, eles não têm qualquer hipótese de o ajudar; a traição a que o povo é obrigado é simbolizada na moeda que Manuel oferece a Matilde); sabe-se, entretanto que Vicente é chefe de polícia.
- António de Sousa Falcão transmite a notícia de que a situação de Gomes Freire é cada vez mais critica (não são autorizadas visitas, encontra-se numa masmorra às escuras, não lhe permitem escolher um advogado, descuida-se a sua higiene física e a sua alimentação).
- Matilde pede ao Principal Sousa que liberte o marido, o governador não a recebe.
- Frei Diogo, que confessara Gomes Freire, revela a sua solidariedade para com Matilde.
- Matilde acusa Principal Sousa de não adotar o comportamento que seria de esperar de um Bispo.
- Sousa Falcão informa a esposa de general de que já havia fogueiras em S. Julião da Barra, para onde Gomes Freire tinha sido levado, o que leva Matilde a implorar de novo ao Principal Sousa a visa de seu marido.
- Matilde tenta consolar-se através da religião; depois lança aos pés do Principal Sousa a moeda que Manuel lhe dera.
- Matilde assiste à execução do marido, vendo o seu corpo ser devorado pelas chamas, ainda que imagine que o seu espírito vem abraça-la: profetiza uma nova vida para Portugal, simbolizada no clarão da fogueira, fruto de uma revolução que encerraria o período de ditadura.

A obra apresenta todo o processo que conduziu à execução do general Gomes Freire de Andrade. No primeiro ato trama-se a sua prisão e, no segundo, verifica-se a sua execução.






Teatro épico:


O teatro épico é produto do forte desenvolvimento teatral na Rússia, após a Revolução Russa de 1917, e na Alemanha, durante o período da República de Weimar, tendo como seus principais iniciadores o diretor russo Meyerhold e o diretor teatral alemão Erwin Piscator. Nesse tempo, as cenas épicas alemãs recebiam o nome de cena Piscator, dado o extensivo uso de cartazes e projeções de filmes nas peças dirigidas por Piscator. No entanto, o grande propagandista do teatro épico foi Bertolt Brecht.
O crítico norte-americano Norris Houghton afirma que Brecht e Piscator aprenderam o teatro épico de Meyerhold e que nós o conhecemos através de Brecht.


Características do texto dramático:


É constituído por:
·         Texto principal composto pelas falas dos atores que é ouvido pelos espectadores;
·         Texto secundário (ou didascálio) que se destina ao leitor, ao encenador da peça ou aos atores.
É composto:
o    pela listagem inicial das personagens;
o    pela indicação do nome das personagens no início de cada fala;
o    pelas informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em atos, cenas ou quadros);
o    pelas indicações sobre o cenário e guarda roupa das personagens;
o    pelas indicações sobre a movimentação das personagens em palco, as atitudes que devem tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as palavras;

 Ação – é marcada pela atuação das personagens que nos dão conta de acontecimentos vividos.
 Estrutura externa – o teatro tradicional e clássico pressupunha divisões em atos, correspondentes à mutação de cenários, e em cenas e quadros, equivalentes à mudança de personagens em cena.
O teatro moderno, narrativo ou épico, põe completamente de parte as normas tradicionais da estrutura externa.
 Estrutura interna:
·         Exposição – apresentação das personagens e dos antecedentes da ação.
·         Conflito – conjunto de peripécias que fazem a ação progredir.
·         Desenlace – desfecho da ação dramática.
 Classificação das Personagens:
* Quanto à sua concepção:
·         Planas ou personagens-tipo – sem densidade psicológica uma vez que não alteram o seu comportamento ao longo da ação. Representam um grupo social, profissional ou psicológico);
·         Modeladas ou Redondas – com densidade psicológica, que evoluem ao longo da acção e, por isso mesmo, podem surpreender o espectador pelas suas atitudes.
* Quanto ao relevo ou papel na obra:
·         protagonista ou personagem principal Individuais
·         personagens secundárias ou
·         figurantes Colectivas

 Tipos de caracterização:
·         Direta – a partir dos elementos presentes nas didascálias, da descrição de aspectos físicos e psicológicos, das palavras de outras personagens, das palavras da personagem a propósito de si própria.
·         Indireta – a partir dos comportamentos, atitudes e gestos que levam o espectador a tirar as suas próprias conclusões sobre as características das personagens.

 Espaço – o espaço cênico é caracterizado nas didascálias onde surgem indicações sobre pormenores do cenário, efeitos de luz e som. Coexistem normalmente dois tipos de espaço:
·         Espaço representado – constituído pelos cenários onde se desenrola a ação e que equivalem ao espaço físico que se pretende recriar em palco.
·         Espaço aludido – corresponde às referências a outros espaços que não o representado.
 Tempo:
·         Tempo da representação – duração do conflito em palco;
·         Tempo da ação ou da história – o(s) ano(s) ou a época em que se desenrola o conflito dramático;
·         Tempo da escrita ou da produção da obra – altura em que o autor concebeu a peça.
 Discurso dramático ou teatral:
·         Monólogo – uma personagem, falando consigo mesma, expõe perante o público os seus pensamentos e/ou sentimentos;
·         Diálogo – falas entre duas ou mais personagens;
·         Apartes – comentários de uma personagem que não são ouvidos pelo seu interlocutor.
Além deste tipo de discurso, o tecto dramático pressupõe o recurso à linguagem gestual, à sonoplastia e à luminotécnica.
 Intenção do autor - pode ser:
·         Moralizadora;
·         Lúdica ou de evasão;
·         Crítica em relação à sociedade do seu tempo;
·         Didática.
 Formas do gênero dramático:
·         Tragédia
·         Comédia
·         Drama
·         Teatro Épico.

 Outras características:
·         Ausência de narrador.
Predomínio do discurso na segunda pessoa (tu/vós).



Módulo 11- Vida e obra de Sttau Monteiro:


Nasceu a 3 de Abril de 1926 em Lisboa, cidade onde viria a morrer a 23 de Julho de 1993. Era filho de Armindo Rodrigues de Sttau Monteiro e de Lúcia Rebelo Cancela Infante de Lacerda.
Com 10 anos de idade mudou-se para Londres com seu pai, embaixador de Portugal. Contudo, em 1943 este último é demitido do seu cargo por Salazar o que obriga pai e filho a regressarem a Portugal.
Já em Lisboa, licenciou-se em Direito, que exerceu por um curto período de tempo, dedicando-se depois ao jornalismo. A sua estadia em Inglaterra, durante a juventude, pô-lo em contacto com alguns movimentos de vanguarda da literatura anglo-saxónica. Na sua obra narrativa retrata ironicamente certos estratos da burguesia lisboeta e aspectos da sociedade portuguesa sua contemporânea.
Vai novamente para Londres e torna-se piloto de Fórmula 2.
Ao regressar a Portugal colabora em diversas publicações destacando-se a revista Almanaque e o suplemento A Mosca do Diário de Lisboa. Neste último, cria a secção Guidinha.
Estreou-se, em 1960, com Um Homem não Chora, a que se seguiu Angústia Para o Jantar (1961), obra que revela alguma influência de escritores ingleses da geração dos angry young men, que o consagrou, e E Se For Rapariga Chama-se Custódia (1966).
Destacou-se, sobretudo, como dramaturgo, nomeadamente com Felizmente há Luar! (1961), peça que, sob influência do teatro de Brecht e recuperando acontecimentos da anterior história portuguesa, procurava fazer uma denúncia da situação sua contemporânea. Esta peça foi publicada em 1961, tendo sido galardoada com o Grande Prémio de Teatro. A sua representação foi, no entanto, proibida pela censura.
Só em 1978 após a Revolução do 25 de Abril, a célebre peça foi apresentada nos palcos nacionais no Teatro Nacional.



terça-feira, 13 de novembro de 2012

A "Mensagem" de Fernando pessoa


  Mensagem, de Fernando Pessoa, foi publicado ainda em vida. Composto por 44 poemas, foi chamado pelo poeta de "livro pequeno de poemas". Publicado em 1934 (apenas 1 ano antes da morte do poeta), pela Parceria António Maria Pereira, o livro foi contemplado no mesmo ano com o Prémio Antero de Quental, na categoria de ”poema ou poesia solta”.
A obra trata do glorioso passado de Portugal de forma elogiosa e tenta encontrar um sentido para a antiga grandeza e a decadência existente na época em que o livro foi escrito. Glorifica, acima de tudo, o estilo camoniano e o valor simbólico dos heróis do passado, como os Descobrimentos portugueses. É apontando as virtudes portuguesas que Fernando Pessoa acredita que o país se deva "regenerar", ou seja, tornar-se grande como foi no passado, através da valorização cultural da nação. O poema mais famoso do livro é “Mar Português”.
Tipo de poesia:
Poesia épico-irónica e lírica - épica porque se volta para celebração heróica de mitos colectivos (os grandes eventos e os heróis da história portuguesa), irónica porque essa celebração é feita sob o signo da irrealidade e da loucura (o que é celebrado não é o Portugal real mas o fantástico, produto da demência de seus grandes heróis), e lírica porque nos poemas sempre se exprime um eu, que pode ser o poeta ou alguma de suas personagens.
Estrutura da Mensagem:
Mensagem é um livro estruturalmente muito cuidado, apontando as três fases por que a Pátria terá de passar.
Esta tripartição simbólica «tem como base o facto de as profecias se realizarem três vezes, ainda que de modo diferente e tempos diferentes. Corresponde à evolução do Império Português que, tal como o ciclo da vida, passa pelo nascimento, realização e morte. Todavia, esta morte não poderá ser entendida como um fim definitivo, visto que a morte pressupõe uma ressurreição. Esta ressurreição culmina com o aparecimento de um novo império, desta vez não terreno, mas sim espiritual e cultural, a fim de atingir a paz universal ("E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos" – Fernando Pessoa).
Primeira Parte – “Brasão” (os construtores do Império)
A 1ª parte corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a grandes feitos.
Segunda Parte – “Mar Português” (o sonho marítimo e a obra das descobertas)
Na 2ª parte surge a realização e vida; refere personalidades e acontecimentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas porque «tudo vale a pena», a missão foi cumprida.
Terceira Parte –  “O Encoberto” (a imagem do Império moribundo, a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimento do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada. A esperança do Quinto Império)
Na 3ª parte aparece a desintegração, havendo, por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois «falta cumprir-se Portugal». É preciso acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e avisos.

O Mostrengo*

O mostrengo que está no fim do mar
 Na noite de breu ergueu-se a voar;
 À roda da nau voou trez vezes,
 Voou trez vezes a chiar, E disse,
 'Quem é que ousou entrar
 Nas minhas cavernas que não desvendo,
 Meus tectos negros do fim do mundo?'
 E o homem do leme disse, tremendo,
 'El-Rei D. João Segundo!'

 'De quem são as velas onde me roço?
 De quem as quilhas que vejo e ouço?'
 Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
 Trez vezes rodou imundo e grosso,
 'Quem vem poder o que só eu posso,
 Que moro onde nunca ninguém me visse
 E escorro os medos do mar sem fundo?'
 E o homem do leme tremeu, e disse,
 'El-Rei D. João Segundo!'

 Trez vezes do leme as mãos ergueu,
 Trez vezes ao leme as repreendeu,
 E disse no fim de tremer trez vezes,
 'Aqui ao leme sou mais do que eu;
 Sou um Povo que quer o mar que é teu;
 E mais que o mostrengo, que me a alma teme
 E roda nas trevas do fim do mundo,
 Manda a vontade, que me ata ao leme,
 De El-Rei D. João Segundo!'

 *mostrengo: variante de monstrengo.
 El-Rei Dom João Segundo: rei de Portugal no período de 1481 a 1495. Seu reinado foi caracterizado por duas ações fundamentais: internamente, consolidou a centralização do poder; externamente, foi o responsável pelo plano de expansão marítima que levaria Portugal ao Oriente. Nesse plano de expansão marítima, o principal ponto era descobrir um caminho que levasse às Índias e a suas especiarias. Várias expedições foram enviadas para o 'fim do mar', isto é o extremo sul do Atlântico, em busca dos limites da África. Foi também no governo de D. João II que o Tratado de Tordesilhas - que dividia a Terra em duas des: uma para Castela (Espanha) e outra para Portugal 0- foi assinado em 1494.
Os custos da aventura marítima, em vidas e sofrimentos, são tocantemente lembrados num poema de que dois versos (os primeiros da segunda estrofe) se tornaram célebres e hoje soam quase como ditado da sabedoria tradicional.



Mar português

 Ó mar salgado, quanto do teu sal
 São lágrimas de Portugal!
 Por te cruzarmos, quantas mães choraram.
 Quantos filhos em vão rezaram!
 Quantas noivas ficaram por casar
 Para que fosse nosso, ó mar!

 Valeu a pena? Tudo vale a pena
 Se a alma não é pequena.
 Quem quer passar além do Bojador
 Tem de passar além da dor.
 Deus ao mar o perigo e o abismo deu.
 Mas nele é que espelhou o céu.

 Resumindo:
Mensagem é um livro estruturado em três partes: Brasão; Mar Português e O Encoberto.
 Ao todo, são 44 poemas mais ou menos curtos, que constituem uma epopéia fragmentária, sem unidade narrativa.
 Há fusão dos gêneros épico e lírico: a celebração de mitos, lendas, feitos e vultos de heróis lusitanos, próprios do gênero épico, realiza-se através de poemas em primeira pessoa, de intensa subjetividade, como é próprio do gênero lírico.
 Mensagem é um livro simbólico. Nele, imagens herméticas, de fundo esotérico, mobilizam-se para expressão do nacionalismo místico do autor.
 Mensagem contém uma visão messiânica sobre o destino de Portugal: o rei D. Sebastião (sebastianismo) voltaria para tirar o país da decadência em que mergulhou desde seu desaparecimento, Alcácer Quibir (1578), e reconduzi-lo à glória (o mito do Quinto Império).
 A intertextualidade entre Mensagem e Os Lusíadas é frequente: Fernando Pessoa retoma episódios e motivos da epopéia camoniana e o revista na forma de paródias sérias.
Quanto à linguagem, os poemas de Mensagem oscilam entre o equilíbrio clássico e a sinuosidade barroca.