Apesar de ser formado em medicina, não exercia. Dotado de
convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República.
Caracterizava-se por ser um pagão intelectual. lúcido e consciente (concebia os
deuses como um ideal humano), reflectia uma moral estóico-epicurista, ou seja,
limitava-se a viver o momento presente, evitando o sofrimento (“Carpe diem”) e aceitando o carácter
efémero da vida.
“Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande),
veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em
verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia
regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal
urdida, um vago retracto da pessoa que estava a fazer aquilo. (tinha nascido,
sem que o soubesse, o Ricardo Reis).”
Diz Fernando Pessoa na carta, de 13 de Janeiro de 1935, a
Adolfo Casais Monteiro, que Ricardo Reis nasceu em 1887 (embora não se recorde
do dia e mês), no Porto. Descreve-o como sendo um pouco mais baixo, mais forte
e seco que Caeiro e usando a cara rapada. Fora educado num colégio de jesuítas,
era médico e vivia no Brasil, desde 1919, para onde se tinha expatriado
voluntariamente por ser monárquico. Tinha formação latinista e semi-helenista.
Fernando Pessoa atribui a este heterónimo um purismo que
considera exagerado e refere que escreve em nome de Ricardo Reis, “depois de
uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode”.
A Vida Passa como se Temêssemos
Deixemos, Lídia, a ciência que não põe
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.
Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada
Com seus cansados olhos.
Vê como Ceres é a mesma sempre
E como os louros campos intumesce
E os cala prás avenas
Dos agrados de Pã.
Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,
As ninfas não sossegam
Na sua dança eterna.
E como as heniadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pã.
Na atenção à sua flauta.
Não de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo
Ou a prata de Diana.
Quer troe Júpiter nos céus toldados.
Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias
E os erguidos rochedos.
Do mesmo modo a vida é sempre a mesma.
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos.
Por isso as esqueçamos
Como se não houvessem.
Colhendo flores ou ouvindo as fontes
A vida passa como se temêssemos.
Não nos vale pensarmos
No futuro sabido
Que aos nossos olhos tirará Apolo
E nos porá longe de Ceres e onde
Nenhum Pã cace à flauta
Nenhuma branca ninfa.
Só as horas serenas reservando
Por nossas, companheiros na malícia
De ir imitando os deuses
Até sentir-lhe a calma.
Venha depois com as suas cãs caídas
A velhice, que os deuses concederam
Que esta hora por ser sua
Não sofra de Saturno
Mas seja o templo onde sejamos deuses
Inda que apenas, Lídia, pra nós próprios
Nem precisam de crentes
Os que de si o foram.
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.
Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada
Com seus cansados olhos.
Vê como Ceres é a mesma sempre
E como os louros campos intumesce
E os cala prás avenas
Dos agrados de Pã.
Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,
As ninfas não sossegam
Na sua dança eterna.
E como as heniadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pã.
Na atenção à sua flauta.
Não de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo
Ou a prata de Diana.
Quer troe Júpiter nos céus toldados.
Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias
E os erguidos rochedos.
Do mesmo modo a vida é sempre a mesma.
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos.
Por isso as esqueçamos
Como se não houvessem.
Colhendo flores ou ouvindo as fontes
A vida passa como se temêssemos.
Não nos vale pensarmos
No futuro sabido
Que aos nossos olhos tirará Apolo
E nos porá longe de Ceres e onde
Nenhum Pã cace à flauta
Nenhuma branca ninfa.
Só as horas serenas reservando
Por nossas, companheiros na malícia
De ir imitando os deuses
Até sentir-lhe a calma.
Venha depois com as suas cãs caídas
A velhice, que os deuses concederam
Que esta hora por ser sua
Não sofra de Saturno
Mas seja o templo onde sejamos deuses
Inda que apenas, Lídia, pra nós próprios
Nem precisam de crentes
Os que de si o foram.
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