A presença de divindades mitológicas é uma constante ao
longo de todo o poema que, curiosamente (ou não), começa com um consílio entre
os deuses e termina com a Ilha dos Amores.
À primeira vista, tudo isso poderia parecer uma grande
contradição com as convicções do poeta, que era não só assumidamente cristão,
como ainda um grande apelador da expansão da Fé e do espírito de cruzada. Mas
essa contradição era facilmente explicada pelo seu espírito renascentista; pela
capacidade que os humanistas possuíam em conjugar aspetos que, para muitos,
seriam simplesmente inconciliáveis.
Além disso, e segundo a opinião de muitos estudiosos, a
mitologia estava apenas presente por uma questão de estética e erudição. Nada
mais representava, não constituindo sequer uma ameaça aos postulados da Igreja
cristã. Assim pensou o padre Bartolomeu Ferreira, que leu a obra na figura de
censor da Inquisição, e a autorizou sem achar “cousa alguma escandalosa”.
Na atualidade, porém, reconhece-se que o valor da mitologia
é muito mais profundo e significativo, não podendo ela continuar a ser encarada
como mera partícula decorativa. Os deuses pagãos têm uma vida própria e
autónoma; têm a capacidade de intervir e influenciar o destino dos homens;
possuem, em suma, o estatuto de verdadeiras personagens principais no contexto
do poema. Basta analisar o confronto entre Baco e Vénus, cada qual com os seus
aliados, para compreendermos o carácter e a profundidade que estas figuras
assumem no desenrolar da narrativa.
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